Arquitetura ajuda a construir cidades com mais qualidade de vida

Publicado em: 31/01/2019
Projetos que privilegiam espaços compactos e com acesso rápido a serviços podem melhorar o cotidiano dos brasileiros.
Até 2030, 90% da população mundial viverá nas cidades, segundo projeções da ONU. Os centros urbanos estão a cada dia mais cheios, e o mesmo ocorre no Brasil, que é o país com maior urbanização da América Latina, com 84,4% da população morando nas cidades (segundo o último censo, de 2010). Em 2030, esse índice deve chegar a 91,1%. O que fazer para preservar ou, em muitos casos, melhorar os índices de qualidade de vida? Algumas dessas respostas passam pela arquitetura.

Tradicionalmente, o Brasil não tem um histórico de planejamento urbano — à exceção de alguns casos, como Brasília, que é emblemático. “Todo mundo hoje nas grandes cidades brasileiras está muito incomodado com o ambiente em que vive, parece que nada funciona direito. Todo mundo perde muitas horas do dia para se deslocar”, afirma o arquiteto e urbanista Carlos Leite, autor do livro Cidades Inteligentes, Cidades Sustentáveis.

Parte dessa sensação é motivada pela falta de planejamento durante a expansão dos municípios brasileiros ao longo do século passado. Em 1900, São Paulo contava com apenas 200 mil habitantes, e em pouco mais de 100 anos chegou a 11 milhões. A maior cidade do país e da América Latina cresceu 27.000% em população e 40.000% em território. Outros municípios também cresceram sem que houvesse planejamento regional. Mas como a arquitetura pode ajudar a trazer qualidade de vida para as o espaço urbano? “As soluções não são imediatas, mas a boa notícia é que, no Brasil, o tema do desenvolvimento urbano vem crescendo, sinalizando mudanças”, diz Leite.

Valorizando o próximo

No século 21, uma cidade bem planejada é pensada para as pessoas. Nela, o carro perde protagonismo, e o transporte público e os espaços comuns (praças, parques, vias de lazer) são mais valorizados. Além disso, ela conta com núcleos compactos e multifuncionais. No Brasil, exemplos disso são Copacabana, Ipanema e Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, chamados de “bairros de alta densidade com uso misto”, ou seja, com muita gente morando e grande quantidade de serviços e comércio disponíveis. As pessoas conseguem realizar boa parte de suas atividades diárias a pé, e isso, apesar de ser exceção no país, é o que urbanistas consideram ideal para melhorar a qualidade de vida.

“O modelo de desenvolvimento atual é pensar e fazer cidades compactas, com núcleos densos multifuncionais interligados por sistemas de transporte público de qualidade”, explica Leite. Dentro dessa ideia, o carro perderia importância. O morador se deslocaria a pé (evitando pegar o automóvel para ir apenas à padaria, por exemplo), e, quando precisasse se movimentar para bairros afastados, utilizaria o transporte público. Esse é um cenário bem diferente do que percebemos hoje. “Herdamos as nossas cidades do jeito que estão. É rápido? Não, mas temos que começar”, afirma Leite.

Ativar espaços públicos, implementar espaços de lazer, aumentar o tamanho das calçadas, diminuir a presença do carro, estabelecer marcos regulatórios e planos diretores são ações que podem ser implementadas para colocar as cidades brasileiras em movimento.

Cidades verdes

Quando se pensa em uma cidade verde, vem à mente um espaço sustentável, com otimização dos recursos hídricos e energéticos e uso da tecnologia para garantir eficiência nos serviços. Mas não é apenas isso. A presença literal do “verde” é também importante, ou seja, espaços onde se estabelece uma conexão com a natureza costumam melhorar os níveis de bem-estar nas atividades diárias.

Isso pode ser notado, por exemplo, quando a arquitetura leva elementos naturais a locais fechados. A percepção de bem-estar aumenta em até 15% em espaços de trabalho com essa característica. Os benefícios se estendem à produtividade: escritórios que contam com plantas e luz natural têm colaboradores 15% mais criativos. Os dados são da pesquisa “O Impacto Global do Design Biofílico no Ambiente de Trabalho”, publicado em 2015 pelos especialistas Bill Browning e Cary Cooper.

“O interessante é que essa conexão com a natureza pode ser estimulada. Um projeto de arquitetura pode planejar um espaço voltado para isso. Se eu preciso criar um ambiente onde a pessoa tem de relaxar, consigo identificar quais elementos trazem isso”, explica a arquiteta, Priscilla Bencke, especialista em projetos corporativos e com ênfase na neuroarquitetura.

O mesmo estudo mostra que, nos países onde houve uma urbanização bastante acelerada, como o Brasil, a necessidade de conexão com a natureza é ainda maior. “O Brasil está em primeiro lugar no ranking de países que mais precisam de contato com o verde. Em geral, os países que ficam em primeiras colocações são países que têm urbanização acelerada”, afirma Priscilla.

Alerta: informação em excesso

A pesquisa Environmental Factors Related to Perceived Stress in Open Public Spaces (“Fatores Ambientais Relacionados ao Estresse Percebido em Espaços Públicos”), do arquiteto alemão Martin Knöll, pretendia identificar em que local específico de uma determinada cidade os seus moradores se sentiam mais nervosos. Utilizando um aparelho que media o ponto de olhar dos indivíduos, o pesquisador verificou que as pessoas chegavam ao máximo de ansiedade em uma praça central, onde chegavam todos os trens. “Onde havia mais informação visual, havia maior causa de estresse. A pessoa tinha de enxergar vários pontos ao mesmo tempo”, diz Priscilla.

Outra área da arquitetura também desponta como fundamental para ajudar a melhorar a qualidade de vida nas cidades: a acústica. Nos centros urbanos, o ruído está diretamente relacionado ao planejamento. A maior causa de barulho em espaços abertos e públicos vem do tráfego rodoviário, e, em algumas localidades, o ferroviário e o aéreo também contribuem. “É claro que existe toda uma questão de gestão nas cidades, pois os fatores que causam ruídos são diversos.”, observa Débora Barreto, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil e especialista em acústica.

Uma das formas de mitigar esses barulhos é criar barreiras acústicas, localizadas entre as vias de passagem e os receptores. Adotar esses obstáculos, assim como o investimento em espaços urbanos convidativos e o estímulo ao uso das ruas, é outra solução que coloca as cidades em movimento e leva melhor qualidade de vida a seus moradores.

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Priscilla Bencke

Arquiteta, pós-graduada em Arquitetura de Interiores, se especializou em Projetos para Ambientes de Trabalho na escola alemã Mensch&Büro Akademie.

Única profissional no Brasil com a certificação “Quality Office Consultant”.

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